A arte do encontro

A vida é a arte do encontro, embora existam tantos desencontros pela vida...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Banca examinadora no momento do veredicto final sobre a minha tese de doutorado



Da esquerda para a direita, os professores doutores: Laerte Magalhães (UFPI), Chico Filho (UFPI), Renato de Mello (UFMG), Dylia Lisardo-Dias (UFSJ) e Luiz Francisco (UFMG). Momento de leitura da ata final confirmando a aprovação da tese de doutorado sobre os discursos da imprensa piauiense. Dia 31.07.12, no auditório do CCHL, em Teresina - PI.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Participe: defesa da tese de doutorado sobre discursos da imprensa piauiense



A defesa da minha tese de doutorado acontecerá no dia 31.07.12, às 14h no auditório do CCHL, em Teresina. Conto com a presença de todos.

sábado, 30 de junho de 2012

Programa Educa Piauí discute sobre preconceito linguístico




Ontem, 29 de junho, o Programa Educa Piauí abordou o tema Preconceito Linguístico. Apresentado todas as sextas-feiras na TV Assembleia pelo Prof. Wellington Soares, o programa discute temáticas relacionadas à educação e cultura. Tive o prazer de participar, ao lado do Prof. Camilo França, de um debate eficaz, produtivo e esclarecedor sobre esse tema.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Estarei no 10º Salipi falando sobre "A tirania do discurso"




No período de 10 a 17 de junho Teresina irá vivenciar a 10ª edição do Salipi que, este ano, homenageia o dramaturgo, contista, cronista e crítico teatral Francisco Pereira da Silva. No dia 14/06 às 8h irei ministrar palestra intitulada: "A tirania do discurso: um amálgama entre a linguística, a literatura, a política e a mídia".

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Eu, tu & ele

As categorias de pessoa em discursos podem servir para criar efeito de distanciamento ou proximidade

José Luiz Fiorin


O presidente Lula disse "agora quem me deve é o FMI":uso da primeira pessoa em discurso assinala subjetividade
Num artigo publicado na Folha de S.Paulo de 31/1/2010, Elio Gaspari relata que Lula teria dito: "O FMI chegava ao Brasil humilhando o governo, dando palpite. Se antes era o Brasil que devia ao FMI e ficava como cachorro magro com o rabo entre as pernas, agora quem me deve é o FMI". O articulista acrescenta o seguinte comentário: "O FMI não deve dinheiro a Lula. Deve ao Brasil". Ele reprova o Presidente pelo fato de usar uma primeira pessoa do singular no lugar de uma terceira do singular, o Brasil.

Sabemos que há três pessoas gramaticais: a primeira, que indica aquele que fala; a segunda, que aponta aquele com quem se fala; a terceira, que denota aquele ou aquilo de que se fala. Como a pessoa se flexiona em número, temos a primeira, a segunda e a terceira pessoa do singular e do plural. A categoria de pessoa é manifestada na língua pelos pronomes pessoais retos (eu, tu, ele, nós, vós, eles) e oblíquos (me, mim, comigo, te, ti, contigo, o, a, os, as, lhe; lhes, nos, conosco, vos, convosco); pelos pronomes possessivos (meu, teu, seu, nosso, vosso) e pelas desinências número-pessoais dos verbos.

Benveniste, estudando essa categoria da língua, mostra que há uma diferença considerável entre a primeira e a segunda pessoa de um lado e a terceira de outro. Do ponto de vista morfológico, só a terceira pessoa faz a flexão de número de acordo com a regra geral de formação do plural (em português, as palavras terminadas em vogal fazem o plural com o acréscimo de um s); apenas essa pessoa tem flexão em gênero (ele/ela). Além disso, a primeira e a segunda pessoas indicam os participantes da enunciação, o enunciador e o enunciatário, enquanto a terceira indica qualquer outro ser do mundo ou mesmo nenhum. Qualquer coisa de que falamos pode ser substituída por "ele"; se temos uma expressão impessoal (por exemplo, uma oração sem sujeito, como "chove", "neva"), utilizamos a terceira pessoa. Há uma reversibilidade entre "eu" e "tu" durante uma comunicação: a pessoa a quem o "eu" se dirige é um "tu" e, quando este toma a palavra, passa a ser um "eu" que se endereça a um "tu". Com o "ele", essa reversibilidade não ocorre. Isso leva o linguista francês a dizer que o "eu" e o "tu" são verdadeiramente pessoas, são os actantes da enunciação, enquanto o "ele" é uma não pessoa, é o actante do enunciado.

Pessoa ampliada

O fato de termos formas diferentes para o plural da primeira e da segunda pessoa mostra que não se trata de simples pluralizações. "Nós" não é o plural de "eu", é uma pessoa ampliada: não indica vários "eu", mas eu + outra(s) pessoa(s) (por exemplo: "eu e você"; "eu e ele"; "eu, você e ele"; "eu e vocês"). "Vós" ("vocês", como dizemos) pode ser o plural de "tu", porque, se a fala é um ato individual, o enunciador pode dirigir-se a vários enunciatários. Mas pode ser também uma pessoa ampliada (por exemplo, tu + ele, tu + eles). Só "eles" é realmente apenas o plural de "ele".

A operação com que a enunciação instaura a pessoa no enunciado é chamada debreagem actancial, que pode ser de dois tipos: a enunciativa, que projeta no enunciado as pessoas da enunciação, "eu/tu"; e a enunciva, que instala o actante do enunciado, "ele". Há, pois, dois grandes procedimentos de discursivização da categoria de pessoa: a) a narrativa em primeira pessoa, construída com a debreagem actancial enunciativa, em que se instituem no texto os parceiros da enunciação, "eu" ou "tu"; b) a chamada narrativa em terceira pessoa, organizada com a debreagem actancial enunciva, em que aparecem apenas os actantes do enunciado, "ele", pois o "eu" e o "tu" não se enunciam no interior do enunciado.

A narrativa em primeira pessoa cria um efeito de subjetividade:
"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta." Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam. (O Ateneu, Raul Pompeia, cap. I).

A denominada narrativa em terceira pessoa produz um efeito de objetividade, porque é como se os fatos se narrassem a si mesmos:
"Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças d'água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem-cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho" (O Mulato, Aluisio Azevedo, cap. I)

Personagem

O "eu" projetado no interior do enunciado, o narrador, pressupõe um "eu" que o instalou aí. Esse "eu" pressuposto é o enunciador, o autor (não de carne e osso, mas uma imagem do autor criada pelo texto). O narrador pode dar a palavra a personagens, que, em discurso direto, falam também em primeira pessoa. Nesse caso, temos um interlocutor. Como para cada "eu", há um "tu", temos o enunciatário, o leitor pressuposto; o narratário, alguém a quem o narrador pode dirigir-se ("A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus"  (Machado de Assis, Memórias Póstumas). O "tu" a quem o interlocutor se endereça é o interlocutário.

Há outra operação de discursivização da pessoa: a embreagem, que é o retorno à instância de enunciação pelo uso de uma pessoa no lugar de outra criando efeitos de sentido. É o que fez Lula no exemplo que abre este texto: ele utilizou uma primeira pessoa do singular no lugar de uma terceira pessoa criando um efeito de subjetividade, para mostrar que cabe a ele representar o Brasil. Não é o caso da ácida observação do articulista da Folha. Um procedimento inverso é o uso da terceira pessoa no lugar da primeira, para criar um efeito de objetividade como se a pessoa falasse de uma personagem. É o que faz Pelé, por exemplo: "É difícil carregar a fama do Pelé. As tentações são muitas. O Edson é humano e adoraria levar uma vida mais divertida, mas sabe que é o equilíbrio e a base do Pelé. Os dois sabem quanto é importante não decepcionar o povo brasileiro" (Veja, 4/3/2009). O plural majestático é outro caso de embreagem: "Nós, el-rei, fazemos saber..." Qualquer pessoa pode ser usada no lugar de qualquer outra para produzir efeitos de sentido.

José Luiz Fiorin é professor do Departamento de Linguística da USP e autor do livro As astúcias da enunciação, da Editora Ática.  

Fonte: Revista Língua Portuguesa - http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12050